Para o pastor Marcos Gladstone, da inclusiva Igreja Cristã Contemporânea, o trecho da bíblia que iria contra a homossexualidade sofreu tradução maliciosa, que mudou o seu sentido
Alessandra Oggioni , especial para o iG | - Atualizada às
Evangélico e homossexual, Marcos Gladstone cansou de esperar pela acolhida da igreja que frequentava e decidiu fundar a própria instituição religiosa. Em 2006, junto com o atual companheiro, o pastor Fabio Inácio , criou a Igreja Cristã Contemporânea, que hoje conta com nove sedes (no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo) e mais de 1.800 membros, sendo 90% deles gays.
Segundo Gladstone, que também é pastor, os cultos recebem abertamente os casais do mesmo sexo, além de realizar matrimônios – inclusive o dele, celebrado em 2009 – e batizados. “Defendemos uma teologia inclusiva, de acolhimento ao homoafetivo. Tomamos como exemplo Jesus, que sempre cuidou das minorias, acolhendo os que a sociedade excluía”, diz.
Na visão do pastor Gladstone, a bíblia não condena a homossexualidade, mas, sim, os rituais pagãos. Ele defende que algumas traduções do livro sagrado dos cristãos foram feitas de forma “maliciosa” e cita como exemplo o texto de 1 Coríntios, capítulo 6, versículo 9. “Versões preconceituosas traduziram o trecho como ‘Efeminados e sodomitas não herdarão o Reino dos Céus’, porém, o escrito original do grego diz ‘Depravados e pessoas de costumes infames não herdarão o Reino dos Céus’”, comenta.
Para saber como as principais religiões do país veem a questão homossexual, o iG conversou com representantes das igrejas com maior número de fiéis em diferentes linhas doutrinárias, levando em conta dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Assembleia de Deus: "Perversão satânica e deliberada desobediência a Deus"
Na Assembleia de Deus, a igreja evangélica pentencostal mais representativa no país, com mais de 12 milhões de fieis, a doutrina é notoriamente contrária a homossexualidade. Em um artigo assinado pelo pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, e publicado na página da igreja na internet, a homossexualidade é colocada como “uma perversão satânica dos instintos sexuais do ser humano”. Para o líder, “A Bíblia não classifica a homossexualidade como doença qualquer, pelo contrário, afirma claramente que se trata de uma deliberada desobediência a Deus e aos seus mandamentos”, escreveu.
O iG procurou insistentemente, por uma semana, lideranças da igreja Assembleia de Deus para falar sobre o assunto, mas não obteve resposta.
A postura condenatória da homossexualidade se estende ainda para outras ramificações da igreja. Líder da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) é até mesmo acusado de homofobia. Ele gerou polêmica ainda maior ao assumir a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, no início de março.
Outro exemplo de aberta condenação aos gays é a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia, conhecido nacionalmente por suas manifestações polêmicas em relação a temas como homossexualidade e aborto. Tanto Marco Feliciano como Silas Malafaia foram procurados pelo iG, mas não retornaram os pedidos de entrevista da reportagem.
A evangélica Igreja Batista: "Distorção da sexualidade"
Entre as evangélicas consideradas de origem histórica, a igreja Batista é a que tem o maior número de seguidores, com mais de 3 milhões de pessoas. Para o pastor Paulo Eduardo Gomes Vieira, da Primeira Igreja Batista de São Paulo, a homossexualidade não está de acordo com os valores cristãos. “Na nossa leitura, entendemos que é uma distorção da sexualidade, portanto, é pecado. A Bíblia é clara com relação a isso”, afirma.
No entanto, embora condene a homossexualidade, o pastor defende a tolerância e o respeito às diferenças e aos direitos civis dos gays. “Lamento que alguns representantes evangélicos expressivos não consigam demonstrar discordância sem hostilidade. Discordamos veementemente da homossexualidade, mas devemos ser amáveis com os homossexuais”, critica Vieira.
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Discordamos veementemente da homossexualidade, mas devemos ser amáveis com os homossexuais. (Pastor Paulo Eduardo Gomes Vieira, Primeira Igreja Batista de São Paulo)
Catolicismo tradicional: "A condição homossexual não é uma questão resolvida para os homossexuais"
O Islamismo – com pouco mais de 35 mil praticantes no Brasil – também é categórico ao condenar a homossexualidade. O sheikh Mohamad Al Bukai, diretor de Assuntos Religiosos da União Nacional Islâmica, afirma que o alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, considera a “prática” proibida. Para ele, os gays precisam de instrução, mas sem preconceito com o cidadão. “Não podemos discriminar. Temos que ajudar e orientar essas pessoas”, diz Al Bukai.
Na Igreja Católica, os mais de 123 milhões de fiéis são orientados à formação familiar a partir da união heterossexual. Para Dom João Carlos Petrini, presidente da Comissão para a Vida e a Família da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), todos sem exceção são convidados a praticar a fé com dignidade e respeito, mas o ensinamento da igreja aponta para a necessidade de “acompanhamento” dos homossexuais, a fim de buscar o verdadeiro significado da sua sexualidade. “Para a grande maioria das pessoas homossexuais, a condição homossexual não é uma questão resolvida”, afirma.
Catolicismo liberal: "O ser humano é acima de tudo uma criatura de Deus"
Numa corrente mais liberal, o historiador e padre jesuíta Luís Corrêa Lima, professor da PUC-Rio, afirma que as mudanças na sociedade também repercutem na Igreja Católica. Segundo ele, um documento do Vaticano, datado de 2003, reconhece os direitos civis entre pessoas do mesmo sexo, apesar de continuar se opondo à equiparação desta forma de união ao matrimônio entre homem e mulher.
Em artigo escrito em 2009, o padre Lima explica que a repulsa pela homossexualidade tem raízes históricas. Por muitos séculos, as relações entre pessoas do mesmo sexo foram consideradas como o pecado de Sodoma, que resultou em um castigo divino destruidor. No entanto, o padre jesuíta chama a atenção para o problema da intolerância e ressalta que nenhum ser humano é mero homo ou heterossexual. “Ele é acima de tudo criatura de Deus e destinatário de Sua graça... A oposição doutrinária às práticas homoeróticas não elimina esta dignidade fundamental do ser humano”, defende.
Espiritismo: Entender as pessoas como elas são, sem preconceitos
Algumas religiões, embora não aprovem abertamente a homossexualidade, também não a condenam. É o caso da doutrina espírita, para a qual a opção sexual dos indivíduos não é objeto de julgamento. “Nosso princípio é o da caridade, então não condenamos nenhuma condição do ser humano. Precisamos entender as pessoas como elas são, sem preconceitos”, afirma Geraldo Campetti, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira. Para ele, o mais importante não é a questão da homoafetividade, mas o respeito com o parceiro com o qual se relaciona.
Budismo: importante é não fazer o mal, cultivar o bem e purificar a mente
No budismo, a opção sexual também não é uma questão essencial. De acordo com José Arlindo Bezerra dos Santos, integrante da Sociedade Budista do Brasil, o que importa para os praticantes da religião são os preceitos básicos de não fazer o mal, cultivar o bem e purificar a própria mente. “Se eles estão felizes e não estão prejudicando ninguém, o budismo não condena a homossexualidade em si”, diz Santos.
Umbanda: coração bondoso, comportamento ético e muito trabalho
Na Umbanda, a visão é de que não cabe aos sacerdotes julgar as escolhas das pessoas, e que as entidades religiosas não discriminam ninguém. “Um Exu, um Caboclo, um Preto Velho vão dizer que estão vendo diante dele um ser humano, não um gay. O que a entidade quer é um coração bondoso, um comportamento ético e muito trabalho”, afirma a sacerdotisa Fátima Damas, presidente da Congregação Espírita Umbandista do Brasil.
Outras lideranças religiosas representantes dos judeus e do candomblé também foram contatadas, mas não atenderam ao pedido de entrevista da reportagem.
Alessandra Oggioni , especial para o iG
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