Presentes em cerca de um quarto do eleitorado, os evangélicos devem se transformar no reduto mais cobiçado pelos presidenciáveis nas eleições deste ano, reeditando a peregrinação de candidatos pelas igrejas e templos no pleito de 2010.
O cientista político Eduardo Oiakawa, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), avalia que o crescimento do eleitorado e a presença de candidatos de perfil evangélico nas chapas presidenciais, mais do que em qualquer outro período, forçará um embate entre liberais e conservadores em torno das velhas questões como o aborto, casamento gay e legalização de drogas como a maconha.
“A questão religiosa deve aparecer como um conteúdo forte e decisivo nas eleições deste ano. É provável que os temas morais superem até mesmo os da economia”, diz Oiakawa. Ele lembra que essas questões ganharam relevo no ano passado com a polêmica passagem do pastor e deputado Marco Feliciano pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara e prevê um confronto: “Veremos cenas de pugilato entre o Brasil conservador e o Brasil liberal”, diz ele.
Feliciano atraiu a ira da juventude e dos setores liberais, mas acabou levando ao PSC a simpatia dos segmentos conservadores, o que ajuda a explicar a surpreendente ascensão do candidato de seu partido, pastor Everaldo Pereira, à presidência. Apontado nas pesquisas como o quarto colocado na preferência popular, com índices entre 2% e 3% na pré-campanha, o pastor deixou para trás os eternos candidatos nanicos, como José Maria Eymael (PSDC) e Levy Fidelix (PRTB), ou o novato senador Randolfe Rodrigues, do PSOL.
“A presença do Pastor Everaldo é a coisa nova e chama atenção. Acho que 2014 é um balão de ensaio para a construção de uma candidatura mais forte nas próximas eleições. É um projeto em construção em torno de um candidato de Cristo”, observa o antropólogo Eurico Antônio Gonzalez Cursino dos Santos, da Universidade de Brasília (UnB).
“Minha candidatura é para valer. Não é para negociar”, garante o pastor Everaldo Pereira, que se sente naturalmente identificado com os temas de defesa da família e da vida, mas afirma que seu programa é bem mais amplo que as questões religiosas. Em 2010, ele ensaiou um apoio ao ex-ministro José Serra, mas no final acabou optando pela então candidata do PT, Dilma Rousseff.
Everaldo diz que o foco de seu programa é o que afeta a população, como segurança, combate à corrupção, o reordenamento e desaparelhamento da máquina pública. “É preciso fazer um estado que sirva e não que se sirva da máquina”, afirma.
O pastor, segundo Eurico, deve adotar um discurso de quem se sente legitimado para introduzir na política, com promessas de alteração em lei, os valores bíblicos situados no campo emocional e irracional da sociedade.
Ele acha que os temas morais, pelo menos no primeiro turno das eleições, estarão inseridos nas questões macro que definem as campanhas, mas não tem dúvidas que no geral a representação evangélica no Congresso deve aumentar.
A Frente Parlamentar Evangélica, que pelos seus cálculos já tem hoje cerca de 110 parlamentares, pode se transformar na maior bancada na Câmara, superando inclusive a também conservadora bancada ruralista.
Em números, haverá mais deputados evangélicos do que as tradicionais bancadas partidárias, como PT e PMDB. A FPE é formada atualmente por pelo menos 12 partidos, entre eles PT, PSDB e, como não poderia faltar, parlamentares do PSC do Pastor Everaldo ou o PSB que abriga a também evangélica Marina Silva, candidata a vice na chapa do ex-governador pernambucano Eduardo Campos. Juntos, esses grupos evangélicos fragmentados em vários partidos representam cerca de 40 milhões de votos.
“A tendência é que se repita o que houve em 2010, com a diferença que os evangélicos agora têm um candidato. O pastor dará mais uniformidade aos temas religiosos e deverá tirar os votos descolados de outros partidos”, afirma o professor da UnB. Ele acha, no entanto, que os candidatos mais bem colocados vão tentar se desviar das polêmicas dentro da lógica política segundo a qual mais tiram do que acrescentam voto.
“A eleição vai aumentar de volume. As questões religiosas podem ser reembrulhadas para produzir aversões emocionais. Mas o que terá peso mesmo será a economia, administração, segurança, transporte e educação”, diz Eurico.
Para Eduardo Oiakawa, temas como aborto, casamento gay e liberação da maconha ganharão espaço na agenda política porque o debate, desde o ano passado, vem amadurecendo.
“A religião e o moralismo vão subir ao palco político. O Brasil é um país jovem e a juventude está ligada nestes temas”, diz Oiakawa. Ele acha que “um certo liberalismo típico das classes médias urbanas" está invadindo as periferias das grandes cidades, o que acabará forçando os candidatos a abordar os temas.
“Os políticos gostam de dourar a pílula para escapar dos temas polêmicos, mas serão forçados a mostrar a cara. Será divertido assistir”, afirma.
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